Cartaz do filme brasileiro 'Ainda Estou Aqui' em um cinema de Nanning, na Região Autônoma da Etnia Zhuang de Guangxi, sul da China, em 16 de maio de 2025. (Xinhua)
"O filme retrata traumas e resiliência com uma estética contida, mas carregada de emoção latente, costurando a força feminina ao tecido emocional da história," disse Liu Jian, um espectador em um recente debate pós-sessão do filme brasileiro Ainda Estou Aqui, realizado em Nanning, Região Autônoma da Etnia Zhuang de Guangxi, no sul da China.
A chegada da produção, vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional, às telas chinesas trouxe mais do que uma nova leitura sobre o passado recente do Brasil -- abriu também um canal sensível de diálogo entre culturas distantes, conectando memórias e emoções por meio da linguagem universal do cinema.
Dirigido por Walter Salles, o longa-metragem é inspirado na história real de Eunice Paiva, que enfrentou o desaparecimento do marido durante a ditadura militar brasileira nos anos 1970. A trama acompanha a busca silenciosa e persistente de uma mulher por respostas, revelando feridas familiares e evocando memórias coletivas de um período sombrio da história do país.
Para Chen Qiao, outra espectadora presente na sessão, os momentos em que a protagonista se encara no espelho simbolizam mais do que introspecção. "Ela não fala só por si, mas por todas as mulheres silenciadas daquela época", observou.
Essa jornada íntima é suavemente conduzida por uma trilha sonora delicada e por cenas familiares que conferem à narrativa uma atmosfera de ternura. Elementos visuais como fotografias, filmadoras antigas e álbuns de família não apenas reforçam o papel da memória, mas também iluminam gestos cotidianos que resistem ao tempo, que são pequenos detalhes com grande poder afetivo.
"O que o filme transmite, acima de tudo, é o poder do amor," escreveu um usuário na Douban, uma plataforma popular chinesa de crítica de filmes.
De crianças brincando com um filhote canino na praia ao pai guardando os dentes de leite dos filhos, ou à filha vestindo o antigo casaco da mãe, são cenas singelas que, entrelaçadas, desenham o elo afetivo de uma família diante das incertezas de uma época turbulenta.
Segundo Liu, o filme também desafia visões estereotipadas sobre o Brasil. "Ele mostra um Brasil multidimensional", disse, destacando que cenas com música, comida e vestimentas típicas dos cariocas ajudam a revelar a diversidade cultural.
De fato, o interesse do público chinês pelo cinema brasileiro não é recente. Clássicos como Central do Brasil (nota 8,7 na Douban) e Tropa de Elite (nota 8,1) já demonstraram que produções brasileiras, com sua densidade social e calor humano, vêm conquistando um espaço crescente no gosto dos cinéfilos chineses.
A atriz brasileira Daniela Tassy, que participou do sucesso chinês Terra à Deriva 2, afirmou durante a pré-estreia em Beijing que o filme constrói uma nova ponte cultural, e expressou seu desejo de ver mais obras brasileiras ganhando espaço no circuito chinês.
Essa aproximação cultural, aliás, já tem reflexão além das salas de cinema. No Douyin (versão chinesa do TikTok), músicas e danças brasileiras com batidas vibrantes vêm inspirando milhares de desafios e recriações. Ao mesmo tempo, trechos de séries chinesas e filmes de artes marciais vêm ganhando seguidores no Brasil, alimentando uma troca cada vez mais dinâmica entre as duas culturas.
Yao Hua, diretor do instituto de sociologia da Academia de Ciências Sociais de Guangxi, afirmou que, mesmo com uma exibição limitada e um tema considerado de nicho, a narrativa baseada em uma história real estabelece um diálogo intercultural em profundidade que permite aos dois povos compreenderem melhor suas memórias, valores e sensibilidades cotidianas.