O filme de animação chinês “Ne Zha: O Renascimento da Alma” (também conhecido como Ne Zha 2) não só quebrou recordes de bilheteiras, mas também despertou o interesse global pela figura mitológica de Ne Zha. De onde surgiu Ne Zha? Quais elementos da cultura taoista estão presentes em Ne Zha 2? Como a cultura oriental ultrapassa fronteiras e promove o compartilhamento global? O acadêmico e autor do livro “Taoismo e Cinema”, Yuan Fangming, discute sobre o tema.
Yuan Fangming explica que, geralmente, acredita-se que “Ne Zha” seja uma versão abreviada do termo em sânscrito Nalakuvara. A primeira menção a Ne Zha aparece nos textos budistas antigos, especificamente no Buddhacharita (“Os atos de Buda”), uma obra de autoria do mestre budista indiano Asvagosa, traduzida pelo monge Dharmaksema na Índia Antiga.
Após a introdução do budismo na China, houve uma fusão entre as influências do budismo e do taoismo. Durante as dinastias Yuan e Ming, Ne Zha aparece em uma fase de transição do budismo para o taoismo no texto “Sanjiao Yuanliu Soushen Daquan” (“Livro Sobre a Busca pelas Deidades dos Três Ensinamentos”).
A obra Fengshen Yanyi (“Investidura dos Deuses”) é responsável por retratar Ne Zha como uma figura taoista, transformando-o em discípulo do imortal Taiyi Zhenren na Caverna Jinguang da Montanha Qianyuan e colocando-o na missão de ajudar na queda da dinastia Shang e na ascensão da dinastia Zhou.
Yuan Fangming continua, dizendo que o taoismo é uma religião indígena da China, originada no final da dinastia Han Oriental, com raízes na Montanha Heming, em Sichuan, fundada por Zhang Daoling. O taoismo tem como princípios centrais a ideia de “respeitar o caminho e valorizar a virtude, seguir a natureza, cultivar a vida e a integridade, e alcançar a harmonia entre o céu, a terra e o ser humano”.
Em “Ne Zha: O Nascimento da Criança Demoníaca” (o primeiro filme da série), a visão taoista de destino autodeterminado é evidente na famosa frase “Meu destino sou eu quem define, não o céu”. Elementos como “controle do fogo”, “mágicas de distração” e “transformações” são representações claras de práticas taoistas, como os feitiços e encantos, além das pinturas taoistas e os reinos imortais retratados no filme.
Em Ne Zha 2, os conceitos de Yin e Yang e a teoria dos cinco elementos também fazem parte da cultura taoista. O taoismo acredita que “tudo no universo é composto de Yin e Yang, e o equilíbrio é alcançado pela interação entre esses dois polos”, como também está expresso em Ne Zha 2, onde o personagem Ao Bing e a reencarnação do demônio Ne Zha são uma unidade indissolúvel de Yin e Yang.
A antiga teoria dos cinco elementos da China, que afirma que tudo no mundo é gerado pelo movimento e pela transformação de metal, madeira, água, fogo e terra, também se faz presente. Esses elementos interagem entre si, seja através de relações de geração ou de dominação, mantendo o equilíbrio universal.
No filme, Ne Zha é associado ao fogo, enquanto Ao Bing é representado pela água. Ao recriar seus corpos, Taiyi Zhenren usa as propriedades de cada um e os princípios de interação entre água e fogo, bem como entre metal e água, para realizar seu feitiço.
No início do filme, Taiyi Zhenren utiliza água (lótus e raiz de lótus) e fogo (fogo Samadhi) para moldar os corpos de Ne Zha e Ao Bing, uma referência ao conceito de alquimia taoista, que pode ser encontrado em textos taoistas como “Lingbao Lingjiao Jidu Jinshu” (“Livro de Ouro dos Ensinamentos para Transcendência Espiritual”).
Os “Doze Imortais de Kunlun” apresentados no filme vêm do romance Fengshen Yanyi, onde esses imortais representam uma linhagem de deuses. Embora o taoismo tradicional não mencione exatamente os “Doze Imortais de Kunlun” ou o palácio Yuxu, há classificações como imortais celestiais, imortais terrestres, imortais humanos e imortais demoníacos. Existe também a distinção entre imortais dourados (com uma posição nos céus) e imortais vagos (que ainda não tem uma posição nos céus).
O taoismo acredita que qualquer ser vivo pode se tornar um imortal, desde que se dedique ao cultivo espiritual. Portanto, mesmo seres de origem animal, como Shen Gongbao e Shen Xiaobao, podem se tornar imortais por meio de práticas de cultivo, Ne Zha e a Pílula Demoníaca podem alcançar a imortalidade através de um processo de ascensão ou exame de qualificação espiritual.
Yuan Fangming acredita que Ne Zha 1 e Ne Zha 2 não tentam agradar aos padrões estéticos ocidentais, mas estão profundamente enraizados na cultura tradicional chinesa. Eles mesclam perfeitamente a estética oriental com a tecnologia de animação de ponta e uma perspectiva moderna. A revista “The Hollywood Reporter” comentou que essas produções “redefiniram os altos padrões da indústria cinematográfica chinesa com animação de alta qualidade e uma narrativa profunda”. O CEO da IMAX, Richard Gelfond, também reconheceu que “a escala e a inovação dos filmes chineses estão remodelando o mercado global de cinema”.
O crescente sucesso de Nezha 2 no exterior também demonstra que a cultura e a estética oriental não apenas atendem às necessidades do público chinês, mas também podem atravessar fronteiras culturais e serem compartilhadas globalmente. A transição da cultura tradicional para uma forma moderna permite que ela se torne uma ponte no intercâmbio cultural global. Cada civilização pode, com confiança, explorar suas próprias tradições e construir um novo cenário de intercâmbio e aprendizado entre culturas.