A China e o Brasil, situados em extremos opostos do planeta, têm ambientes e histórias de desenvolvimento diferentes, o que resultou em culturas distintas. No entanto, por meio do mundo das artes marciais criado pelos filmes chineses de kung fu, há mais de 40 anos, o jovem Rogério Fernandes de Macedo tocou acidentalmente o interruptor que abriu uma nova dimensão para ele. Os mistérios e os princípios profundos das artes marciais chinesas começaram a se enraizar em seu coração e a crescer, fazendo com que ele passasse a ver a “misteriosa” China de outra perspectiva e a vivenciar suas tradições culturais antigas. Hoje, prestes a completar 60 anos, Rogério não só se tornou o responsável pela Associação SunBin de Wushu e Cultura Chinesa no Brasil, como também, guiado pelas artes marciais chinesas, se tornou um estudioso da sinologia e um especialista em ensino de mandarim. Recentemente, Rogério compartilhou sua jornada “sinológica” iniciada com as artes marciais e suas percepções sobre como as artes marciais têm promovido a conexão entre os povos chinês e brasileiro ao longo de suas décadas de aprendizado, ensino e pesquisa.
Nas décadas de 1960 e 1970, acompanhados dos movimentos de espada e de kung fu dos filmes de artes marciais de Hong Kong, os gestos fluidos e a ideia de heróis que defendem a justiça chegaram ao mundo, influenciando muitos, incluindo o jovem Rogério.
Impulsionado pelo seu interesse, Rogério começou a treinar em uma escola de artes marciais em São Paulo, no Brasil, e adotou o nome chinês “霍心武” (Huo Xinwu) — em homenagem a 霍元甲 (Huo Yuanjia), reverenciando as artes marciais chinesas.
Por seu amor pelas artes marciais, ele passou a se aprofundar em tudo relacionado à China. Na época, frequentemente visitava lojas de chineses para estudar os caracteres chineses e formou amizades profundas com os donos das lojas e com outras famílias chinesas da comunidade.
Certo dia, um chinês quis matricular seu filho na escola de chinês local e perguntou a Rogério se ele também teria interesse em se inscrever. Ele aceitou de bom grado e acabou se tornando o aluno mais dedicado e com as melhores notas da turma.
Com o aumento da imigração chinesa no século XX, escolas de artes marciais chinesas foram estabelecidas em várias partes do mundo. A ideia de “saber kung fu” se tornou uma das imagens mais visíveis dos chineses aos olhos dos estrangeiros, não apenas reforçando a disseminação global das artes marciais, mas também mudando os estereótipos que os estrangeiros tinham sobre os chineses. Rogério contou que as artes marciais chinesas começaram a se popularizar no Brasil por volta da década de 1960, inicialmente com escolas abertas por imigrantes chineses que também eram mestres. Mais tarde, com o crescente impacto dos filmes de kung fu, mais brasileiros começaram a se interessar por essas habilidades de combate altamente artísticas e visuais, e muitos mestres chineses começaram a abrir turmas para brasileiros fora das comunidades chinesas.
Na década de 1990, Rogério conheceu o mestre de kung fu de Shandong, 魏长青 (Wei Changqing), que havia se mudado para o Brasil e o adotou como discípulo, iniciando-o no estilo Sunbin Quan. Isso lhe proporcionou uma compreensão mais profunda das artes marciais e da cultura chinesa.
Foi após se tornar discípulo de Wei que Rogério começou a estudar o pinyin, despertando sua curiosidade sobre a evolução desse sistema fonético, o que o levou a realizar uma pesquisa aprofundada. Sua primeira dissertação, “A Origem do Alfabeto Fonético Chinês/Mandarim”, foi publicada em uma revista acadêmica de língua portuguesa de Macau.
Rogério comentou que o maior desafio de ensinar e aprender artes marciais no Brasil é que a maioria dos estudantes brasileiros se concentra apenas em treinar as técnicas de luta e os movimentos, sem se aprofundar no conhecimento teórico e nos princípios espirituais das artes marciais. Para ele, a moralidade marcial (武德) é o “conceito mais importante” da cultura das artes marciais.
“Se o aluno não tiver moralidade marcial, não posso ensiná-lo a usar armas”, ele cita as palavras de seu mestre, Wei. Embora os brasileiros ainda não compreendam totalmente a importância da moralidade marcial, ele acredita que, quando o mestre possui esse conhecimento e o transmite, os alunos brasileiros começarão a aceitá-lo e compreendê-lo, aplicando esses conceitos em sua maneira de viver.
Rogério também observou que, embora existam diferenças nas visões culturais entre os brasileiros e os chineses, à medida que a cooperação entre os dois países cresce, o intercâmbio cultural está moldando a formação dos valores. Para ele, o intercâmbio cultural por meio das artes marciais é a “melhor maneira de reduzir as diferenças de compreensão entre os dois povos”.
Ele também destacou que, atualmente, o Tai Chi está incluído na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, e as artes marciais, como seu mestre Wei previu, entraram em competições internacionais, sendo agora parte dos Jogos Olímpicos de Verão da Juventude de Dakar em 2026.
Na visão de Rogério, as artes marciais, como um símbolo marcante da cultura chinesa, são também uma porta para os brasileiros conhecerem a China.