Brasil e China estão em extremos opostos do globo, com paisagens e culturas muito distintas. No entanto, em pequenas cidades do sudeste brasileiro, turistas podem se deparar com “ruas ao estilo de Macau”, enquanto igrejas de estilo barroco-rococó no nordeste do Brasil exibem entalhes e pinturas de dragões, pássaros e animais, além de esculturas de Jesus usando túnicas de corte oblíquo. Para a pesquisadora brasileira Maristela Carneiro, essa estética é um reflexo da influência das artes chinesas, absorvidas pelo Brasil no período colonial português.
Segundo Maristela, na historiografia da arte brasileira, é geralmente aceito que a estética do Brasil colonial resulta de uma fusão entre influências europeias, indígenas e africanas, mas a presença de traços asiáticos, especialmente chineses, é raramente destacada.
Como antiga colônia de Portugal, o Brasil foi muito influenciado pela arte e arquitetura europeias durante o período colonial. As artes barroca e rococó, que surgiram na Europa entre os séculos XVII e XVIII, também se espalharam pelo Brasil. Em igrejas, residências e edifícios públicos de várias regiões do país, encontram-se elementos grandiosos e refinados característicos desses estilos.
Regiões sob domínio português, como o Brasil, Angola, Goa (Índia) e Macau (China), refletiram essas trocas culturais. Em Minas Gerais, na cidade de Diamantina, por exemplo, três ruas principais são chamadas “Rua Macau de Baixo”, “Rua Macau do Meio” e “Rua Macau de Cima”, em homenagem à Macau, na China.
A influência chinesa também se manifesta nas chamadas “Chinoiseries”, uma tendência europeia de incorporar elementos visuais da arte chinesa nas produções artísticas. Do século XVI ao XX, o estilo chinês em arquitetura e decoração fascinou os europeus, estimulando a demanda por porcelanas e outros produtos chineses, muito valorizados pelas elites da Europa.
Essa situação, por sua vez, levou a uma integração da arte chinesa na arte europeia, algo particularmente evidente no estilo rococó do século XVIII. Durante esse período, muitos objetos domésticos e decorações arquitetônicas passaram a enfatizar e imitar temas, padrões e estilos chineses.
À medida que os produtos chineses eram cada vez mais reproduzidos, o estilo narrativo chinês consolidou-se como um tema expressivo fixo, tornando-se um “padrão” do estilo rococó. Esse estilo é conhecido em francês como “Chinoiserie”, ou “à moda chinesa”. Em português, o termo é geralmente traduzido como “Chinesice”, referindo-se ao “estilo chinês”. Essa influência estética chinesa deixou sua marca em toda a Europa Ocidental, e o Brasil, sob influência portuguesa, também foi tocado por essa “onda chinesa.
Para Maristela Carneiro, as influências da Europa, África e Ásia chegaram ao Brasil através do comércio transatlântico. Como resultado, temas chineses que marcaram a pintura, escultura e os relevos da Península Ibérica também foram replicados em igrejas no Brasil, particularmente nos estados da Bahia e Minas Gerais, onde é possível observar uma grande variedade de elementos florais, dragões, andorinhas e outros animais decorando edifícios religiosos.
Esse intercâmbio cultural era bilateral. Assim como a estética chinesa atraía a atenção das elites europeias, o gosto europeu também influenciou as elites chinesas. Um exemplo notável é o “Dashuifa” Xiyang Lou, um prédio em estilo europeu construído pelo Imperador Qianlong em Pequim.
Para Maristela Carneiro, a arte é uma chave para compreender nossos preconceitos, desejos, expectativas e o modo como interpretamos culturas distintas. Apreciar a arte é, portanto, uma forma profunda de entender a história, as culturas nacionais e o modo como o ser humano busca seu lugar no mundo.